Instrumentos econômicos que buscam induzir e incentivar determinados comportamentos têm se tornado cada vez mais importantes, como grandes aliados na implementação de políticas ambientais e na correção de falhas de mercado, como as externalidades ambientais.

Os sistemas de comércio de emissões, como os que visam reduzir e mitigar as emissões de gases de efeito estufa, representam bem essa abordagem econômica e se diferenciam dos tradicionais instrumentos de “comando e controle” por meio dos quais as autoridades, ao invés de incentivar, punem os agentes que descumprirem a norma.

Mercados voluntários para o comércio de créditos de carbono já existem há alguns anos no país e se encontram de certa forma consolidados.

A partir de 2023, as discussões sobre a regulação do mercado de carbono se tornaram mais intensas no Brasil, tendo o Congresso Nacional retomado a análise de vários projetos de lei e decretos sobre o assunto – às vezes indo na mesma direção e em outras, conflitando.

Nesse contexto, o Congresso Nacional retomou a análise de um texto que parece ter assumido a dianteira e está acelerando em direção a um sprint final: o projeto de lei 2.148/2015, encaminhado ao Senado Federal em 7 de fevereiro de 2024 (recebido sob o nº 182/2024).

O projeto segue a dinâmica dos sistemas de cap-and-trade, já consolidados na Califórnia e na União Europeia, em que a autoridade competente define um limite máximo de emissões a um determinado setor econômico e distribui, de forma onerosa ou gratuita, autorizações de emissão aos agentes desse setor, permitindo que tais autorizações sejam negociadas entre eles.

O texto proposto estabelece um limite para as emissões de dióxido de carbono. Assim, as empresas que o excederem serão obrigadas a reduzir ou compensar suas emissões por meio da aquisição de cotas de emissão e/ou da compra de créditos de carbono.

Importante ressaltar que o limite de emissões e cumprimento das obrigações relacionadas serão aplicáveis apenas às atividades para as quais existam metodologias de mensuração, relato e verificação – a serem definias pelo órgão gestor do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) – considerando fatores específicos aplicáveis a cada tipo de atividade [1].

Em artigo recente sobre o tema, ressaltamos que um dos grandes desafios ao desenvolvimento de um mercado de créditos de carbono é a criação de um sistema centralizado que permita o registro, rastreabilidade e contabilização de créditos de carbono, evitando problemas como a dupla contagem de créditos.

Nesse sentido, o projeto avança significativamente ao estabelecer o SBCE, que resolve esse desafio, conferindo transparência, credibilidade, segurança e rastreabilidade aos créditos de carbono.

Destacamos abaixo de forma resumida alguns dos principais aspectos do projeto:

Governança

O projeto prevê a criação de três órgãos:

  • (i) um Órgão Superior e Deliberativo, que, em resumo, estabelecerá as diretrizes gerais do SBCE e aprovará o Plano Nacional de Alocação [2];
  • (ii) um Órgão Gestor, que regulará o mercado de ativos do SBCE e a implementação de seus instrumentos, a definição das atividades, instalações, fontes e gases que estarão sujeitos às obrigações do SBCE, bem como os requisitos e procedimentos para mensuração, reporte e verificação das emissões de fontes e instalações reguladas;
  • e (iii) um Comitê Técnico Consultivo, que será responsável por fornecer subsídios e recomendações para o aprimoramento do SBCE.

Interação com o mercado voluntário

Reconhece o mercado voluntário como um ambiente de comercialização de créditos de carbono de forma voluntária, ou seja, não utilizado para cumprir as obrigações estabelecidas pelo SBCE no mercado regulado, incluindo projetos de carbono jurisdicionais e programas de “REDD+ Abordagem de Mercado”, compreendendo, portanto, projetos de crédito de carbono públicos e privados.

Um crédito de carbono somente será considerado para cumprimento das obrigações do mercado regulado se atender a diversos requisitos, como ter sido originado por meio de metodologias credenciadas pelo órgão gestor do SBCE.

Portanto, espera-se que a regulação futura estabeleça padrões que forneçam diretrizes gerais para o mercado voluntário, que, se cumpridas, proporcionarão mais segurança aos possíveis compradores dos créditos no ambiente regulado.

Natureza jurídica

Define os créditos de carbono como um fruto civil, o que significa que eles são ativos acessórios que se originam do ativo principal, mas não diminuem sua substância ou quantidade.

Por exemplo, em uma situação em que toneladas de dióxido de carbono são sequestradas, reduzidas ou evitadas por meio de um projeto florestal, o ativo principal é a floresta e o ativo acessório é o crédito de carbono gerado.

O projeto prevê, também, que, se os ativos forem transacionados em mercados financeiros e de capitais, eles terão a natureza de valores mobiliários.

Comunidades tradicionais

A participação de comunidades tradicionais em projetos de geração de créditos de carbono está contemplada.

O texto permite que tais comunidades comercializem, por meio de suas entidades representativas, créditos de carbono gerados nos territórios que tradicionalmente ocupam, mediante observância de certas condições, como consulta livre, prévia e informada, bem como a criação de regra para uma distribuição justa e equitativa e para um gerenciamento participativo dos benefícios monetários gerados.

Titularidade

Os créditos de carbono poderão pertencer aos proprietários ou usufrutuários da área na qual o projeto de carbono é desenvolvido ou ao desenvolvedor do projeto, a depender das disposições constantes dos instrumentos contratuais celebrados com o proprietário/usufrutuário.

Regime tributário

A conversão de créditos de carbono em ativos do SBCE não está sujeita à tributação. Somente os ganhos decorrentes da venda de créditos de carbono e outros ativos do SBCE estarão sujeitos à tributação.

Penalidades

Prevê, de forma geral, a aplicação de sanções, como advertências, multas, embargos, suspensão parcial ou total da atividade, bem como sanções restritivas de direitos (como a suspensão ou revogação de licenças) em caso de descumprimento de suas disposições.

Período de transição para implementação

O texto prevê um período de transição e de implementação do SBCE. É definido um período de 12 meses (prorrogável por igual prazo) para a elaboração do texto regulamentador da lei aprovada.

Contudo, o projeto deixa outros aspectos para definição futura, como o prazo estimado para a entrada em vigor do Plano Nacional de Alocação.

Embora haja espaço para melhorias, alguns especialistas e stakeholders estão bastante esperançosos em relação ao projeto, pois ele representa um esforço para acomodar interesses muito diversos de todos os setores da economia e tem o potencial de criar mais incentivos para a participação da sociedade nos mercados de carbono ao garantir mais segurança jurídica e, em última instância, impulsionar significativamente o desenvolvimento do mercado de carbono brasileiro.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Felipe Boechem é sócio da prática de Energia e Infraestrutura e líder da prática de Petróleo e Gás; Guilherme d’Almeida Mota, sócio da prática Ambiental; e Gabriela Mello e Nina Meloni, advogadas da prática Ambiental, todos do escritório Lefosse.

 

Fonte:

https://epbr.com.br/cresce-a-expectativa-sobre-a-futura-regulamentacao-do-mercado-de-carbono/